terça-feira, 17 de julho de 2012

Indicação de Leitura


Os nomes de Cortázar, Garcia Marquez, Mia Couto, T.S Elliot, Liev Tolstoi e Saramago nos fazem pensar em obras sofisticadas que requerem maturidade de seus leitores. Mas esses grandes mestres não escreveram apenas para gente grande. Também deixaram obras-primas que figuram nos amontoados coloridos das seções infantis das livrarias.


Camponês ambicioso
Tolstoi escreveu Guerra e Paz e Anna Karenina, clássicos da literatura do século 19, na escola para crianças desfavorecidas que ele fundou em sua enorme propriedade herdada dos pais. Muitos dos livros usados em sala de aula eram escritos pelo próprio escritor. Foi nesse período que escreveu o conto infantil De quanta terra precisa um homem? , lançado no Brasil pela Cia. das Letrinhas. Conta história de Pahkón, um camponês ambicioso que nunca estava satisfeito com o tamanho de suas terras. De humilde agricultor endividado, o personagem vai gradativamente sucumbindo à sua ganância. Se antes tinha o objetivo de acomodar melhor sua família e reduzir as despesas com as multas pagas a uma latifundiária vizinha, pois seus animais invadiam a plantação daquela proprietária, ele acaba, por fim, tornando-se a cobiça em si, com um desejo de acumulação abstrato, alienado de suas necessidades. O estilo russo, combinado a uma parábola alegórica da mentalidade camponesa do século 19, surpreendentemente configura um livro infantil de primeira. A ambientação realista do ilustrador Cárcamo transporta o pequeno leitor para um tempo e um lugar diferente daquele a que está acostumado ser levado.
A flor de Saramago
A Maior Flor do Mundo
(Cia. das Letrinhas) é único livro infantil publicado por José Saramago. O conto traz a história de um menino-herói que, ao se deparar com uma flor murcha nos arredores de sua aldeia, contorna o mundo diversas vezes para lhe trazer um pouquinho de água do Nilo. A flor então vai crescendo, crescendo muito, mais do que qualquer outra flor. A história não termina; ganha mote para ser recontada por outra pessoa. Talvez pelas crianças, aquelas que melhor a entenderam. A Comunidade Virtual disponibiliza um link para uma animação baseada nesta história. Veja na seção Link.
O pequeno Machado
Conto de Escola
foi escrito para crianças? Isso é discutível. Mas é fato que a edição da obra de Machado de Assis pela Cosac Naify (vale dar uma olhada nos outros livros da coleção Dedinho de Prosa, da mesma editora) ilustrada por Nelson Cruz conseguiu adequá-la a um público infanto-juvenil sem negar a malícia característica dos textos daquele autor. O conto, que segundo Lúcia Miguel-Pereira, estudiosa do escritor carioca, tem explícito fundo autobiográfico, narra o primeiro contato do pequeno Machado com uma transação mercantil e a corrupção de um colega delator. Agudo e ardiloso, Conto de Escola é daqueles livros que não subestimam seus pequenos leitores, além de ser, sem dúvida, uma ótima opção para aqueles que querem introduzir os alunos na obra desse grande autor.
O urso dos encanamentos
Livros de realismo fantástico para crianças existem aos montes, mas poucos com a sensibilidade de O Discurso do Urso (Record). Escrito por Julio Cortázar, trata-se de uma narração em primeira pessoa da vida de um urso que vive na tubulação de um prédio. As belíssimas ilustrações do espanhol Emilio Urberuaga, em cores predominantemente primárias, dão ainda mais vida ao amável ursinho vermelho, viajante discreto e participante ativo da vida de todos os moradores.
Gatos bilíngues
A fantástica coleção de poemas sobre gatos, que T.S.Elliot escreveu para seus amigos em forma de cartas na década de 30, ganhou em 1992 uma tradução admirável feita por Ivo Barroso para o português (trabalho que valeu um prêmio Jabuti ao tradutor). A edição de Os gatos (Cia. das Letrinhas) é bilíngue, português e inglês. E vale a pena ler assim mesmo e se deliciar com a musicalidade e o ritmo dos poemas nas duas línguas. O vocabulário das divertidas historinhas pede, por vezes, um leitor um pouco mais preparado (na faixa de 10 anos); mas como escreve o crítico Antonio Candido, poesia é oscilação constante entre som e sentido, de modo que só o exercício de ouvir o que está escrito e perceber a construção rítmica já transpõe para plano da experiência alguma significação dos poemas.
Um Garcia Marquez para adultos ou crianças?
Depois de ler Maria dos Prazeres (Record), de Gabriel Garcia Marquez, é difícil não desconfiar que o livro estivesse na estante errada, no caso a dos livros infantis. O questionamento é inevitável: se o livro não está na estante dos adultos, o que faz na estante infantil? A personagem principal é uma prostituta velhinha que está esperando e preparando a própria morte desde que teve um sonho que julgou premonitório. Embora o tema não seja dos mais leves, e problemáticas políticas e sociais estejam explicitamente abordadas, o tratamento dado pelo autor envolve a situação numa delicadeza que confronta os valores morais assentados nos leitores. Choque por si só muito interessante.
Medo do escuro
“Não sei se alguém pode fazer livros ‘para’ crianças. Na verdade, ninguém se apresenta como fazedor de livros ‘para’ adultos. O que me encanta no acto da escrita é surpreender tanto a escrita como a língua em estado de infância”. É assim que Mia Couto inicia o prefácio de O Gato e o Escuro (Cia. das Letrinhas), seu único livro infantil. A obra narra a história de um gato que, cruzando a linha do pôr-do-sol, encontra o escuro. O que a princípio lhe causa muito medo, vai, aos poucos, sendo entendido como parte dele e, como tal, com potencial infinito de ser qualquer coisa que imaginar. Entender o escuro como parte de si gera no leitor um enfrentamento do próprio medo e permite um aprofundamento no modo de lidar com aquilo que cegamente (eis o maior problema do escuro) teme.

Autora: Bianca Alves Borgianni
Publicado em: 21/07/2010

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